Atenção Plena & Auto-Observação I
É possível alguém meditar enquanto anda, trabalha, dirige, come, toma banho, dorme? De nossa parte sempre acreditamos que “sim”. Durante muitos anos nos dedicamos a isso, praticar dessa forma ou, pelo menos, grande parte da nossa vida.
Corroborando com essa prática ou com este pensamento, recentemente encontramos um texto buddhista Theravada que confirma aquilo que intuitivamente praticávamos, e que entre nós aqui, na Igreja Gnóstica do Brasil, denominávamos de meditação dinâmica. Como se pratica isso?
O texto buddhista, do qual vou apresentar apenas um extrato, diz o seguinte:
“Em nossos retiros de meditação os estudantes praticam a atenção plena em quatro posturas distintas: ao caminhar, em pé, sentado e quando se deitam. Eles precisam manter a atenção plena em todos os momentos, em qualquer postura que estejam.”
“A postura mais comum para a meditação da atenção plena é a de sentado com as pernas cruzadas, mas, como o corpo humano não é capaz de tolerar essa posição por muitas horas, nós alternamos períodos de meditação sentada com períodos de meditação andando”.
Visto que a meditação andando é muito importante, gostaríamos de colocar aqui sua natureza, sua importância e os benefícios derivados de sua prática. Dentro da Gnose tivemos companheiros, instrutores, que discordavam desse método que denominávamos de “meditação dinâmica” e para mim, qual foi a surpresa, quando encontrei esse sutta buddhista no Theravada, que ensina justamente esta meditação dinâmica ou andando.
Particularmente aprecio muito a meditação andando, pois pratiquei isso, a meu modo, durante mais de vinte anos, no tempo que trabalhava em empresas, no tempo que estudava, que tinha um trabalho profissional a realizar, manter e sustentar família – essas coisas que acredito que a maioria ou quase todos aqui presentes estão vivendo agora.
Ter em mãos justamente um método de trabalho prático, concreto, que nos permita viver e praticar enquanto estamos lutando pela vida, ganhando a vida, trabalhando fora, numa empresa, dirigindo no trânsito pesado das grandes cidades, acredito e atribuo a isso uma descoberta muito grande, muito importante inclusive. Porque nos permite viver, praticar, levar adiante a práxis gnóstica, independente de estarmos num mosteiro, num monastério ou onde quer que estejamos.
Durante muitos anos, particularmente, como disse, lancei mão da meditação andando, porque não tinha outra maneira de praticar. É claro que esse método da meditação dinâmica, como denominávamos aqui, entre os instrutores da IGB, era sempre completada com, a partir dos anos 90, duas horas de práticas diárias passivas.
E na época, até já comentei isso aqui em outras ocasiões, quando nos congressos ou seminários por aí pelo Brasil falávamos que todo instrutor gnóstico da IGB, obrigatoriamente, tinha que fazer duas horas de práticas diárias, causava assombro – e a gente ficava surpreso em dar-se conta que duas horinhas diárias provocavam realmente certa admiração, certo espanto talvez.
Depois, fomos confirmar, descobrir, que por aí não se pratica nada; é só discurso em sala de aula. Agora, então, para nós, o fato de havermos encontrado um sermão, uma cátedra do Senhor Buddha, ensinando esse método, para mim particularmente é a coroação deste trabalho, e por isso achamos importante compartilhar com vocês os pontos essenciais desse sutta, desse sistema.
O nome desse sutta é o Satipatthana Sutta que traduzido significa discurso dos quatro fundamentos da atenção plena. A técnica do Satipatthana sutta consiste em praticar atenção plena, que em Gnose, denominamos de auto-observação, que é realizada desde o momento que se acorda até cair no sono novamente, ao fim do dia.
O que vem a ser a atenção plena? Nada mais que a concentração naquilo que se está fazendo sem se esquecer de si mesmo. Isso implica, portanto, em criar uma capacidade de dividir a atenção em três pontos, exatamente como ensina a Gnose. Todos nós sabemos que a auto-observação, ensinada pela Gnose, divide em atenção em três partes: Sujeito, Objeto e Lugar.
Só que, mecanicamente, repetíamos aquilo que o Mestre escreveu em seus livros:
• O que é o sujeito ? Resposta: O sujeito sou eu.
• O que é o objeto ? Resposta: Aquilo que estou vendo ou fazendo.
• O que é o lugar ? Resposta: O lugar em que estamos.
Nunca houve, na verdade, um aprofundamento, um esmiuçar, desta técnica – que é o que nos propomos a fazer hoje aqui, em parte, e também nas próximas duas reuniões.
Quando falamos em sujeito , sim, somos nós, porém, definamos, compreendamos, o que vem a ser esse “nós”, este “sujeito” ao qual dirigimos nossa atenção.
Se praticarmos superficialmente a técnica de “dividir a atenção” quando nos perguntarmos a nós mesmos “quem sou?”, vamos responder: “Sou o fulano de tal”.
Alguns podem responder, ou dar-se conta do Ser, porém, nada sabemos do Ser; nossa consciência é tão escassa que mal e mal conseguimos manter alguns segundos de foco sobre nós mesmos, aqui e agora. Então, continua o vazio, a lacuna: Quem sou? O que é o sujeito?
Somos nós, já dissemos, porém, esse “nós” há que se alargar o entendimento, temos que expandir a atenção para o corpo, para a mente, para os sentimentos, para os sentidos, porque são os sentidos que nos transmitem as sensações, e temos cinco categorias de sensações.
Tudo isso está amarrado, forma um conjunto, que mecanicamente, rapidamente, respondemos “sou eu!”. Quem sou eu? E respondemos mentalmente: Sou o fulano de tal.
Não nos damos conta, exatamente, de quem somos. O mesmo se repete quando falamos do objeto, ou seja, do que estamos fazendo. A gente simplesmente diz: “Ah! estou dirigindo! Estou comendo! Estou andando! Estou tomando banho!
E aí termina a constatação ou a auto-percepção que fazemos sempre que nos lembramos de nós mesmos. Só que isso é muito rápido, muito superficial, muito vago… Já vamos ver, na seqüência, que essa percepção deve ir muito além de uma simples resposta como essa. O mesmo também se repete para o terceiro aspecto, que é o lugar, o ambiente exterior, dentro do qual estamos inseridos em determinado momento; é o contexto, o cenário dentro do qual estamos fazendo algo.
Esse fazer algo pode ser: andar, correr, comer, dirigir e, até mesmo, pensar e meditar. A técnica da divisão da atenção em Gnose começa e vai além do que dar três simples e curtas respostas que denota, então, falta de profundidade. Como dissemos, tristemente, dentro da Gnose, nós, os instrutores mais antigos, não fomos capazes de aprofundar esse tema; sempre repetimos tudo mecanicamente. Daí, então, o motivo principal, nesta noite, reunirmos, justamente, até em conseqüência de algumas perguntas que foram apresentadas aqui nesta sala de aula nos últimos encontros, alargar um pouco mais essa correlação que existe entre a atenção plena do buddhismo e a auto-observação gnóstica.
Retomando, então, alguns fragmentos ou trechos do discurso dos fundamentos da atenção plena… O próprio Senhor Buddha, numa parte relacionada à posturas ou posições para a prática da atenção plena, menciona ou fala que um monge sabe que está andando quando ele está andando; ele sabe que está de pé quando está de pé e sabe que está sentado quando está sentado e também sabe quando está deitado, da mesma forma.
Um monge – e podemos trocar a palavra “monge” do nosso contexto por “estudante de Gnose” – age ou deve agir quando anda para frente e quando retorna. Plena consciência significa “o correto entendimento daquilo que é observado”. Para entender corretamente aquilo que é observado o estudante precisa obter concentração, e para obter concentração, precisa aplicar atenção plena… Percebem como tudo está relacionado?
Quando o Senhor Buddha disse “monge, empregue a plena consciência…” é preciso entender que não só a plena consciência precisa ser empregada, mas também a atenção plena e a concentração. Dessa forma Buddha estava instruindo os monges, os meditadores, a usar, a empregar (1) a atenção plena, (2) a concentração e (3) a plena consciência ao simples caminhar; daí o tema desta noite: Como meditar andando .
Porém, ainda não entendemos o quadro todo nos seus detalhes, ainda não fomos fundo o suficiente para que cada qual possa fazer uma idéia detalhada ou super-detalhada do que significa o simples caminhar…
Vamos imaginar que nós nos propuséssemos agora a começar a meditação andando… Já foi mencionado que, ao andar, exercitaríamos a divisão da atenção em três partes ou trataríamos de colocar, de usar, de empregar a atenção plena no ato de caminhar. Por mais atenção que colocássemos no exercício de andar, sabemos que aqueles que melhor conseguissem praticar esse exercício, logo perceberiam que tinham que, por exemplo, reduzir a marcha da caminhada para poder perceber melhor tudo que ocorre enquanto estão caminhando.
Mas, por mais que prestassem atenção, por mais que aplicassem atenção plena ao ato de caminhar, o que se configura como meditação andando, ainda assim não apreenderiam, não perceberiam tudo nos seus detalhes, que ocorre enquanto estamos caminhando ou estivéssemos caminhando.
Para entender melhor isso, vamos imaginar ou supor que alguém estivesse filmando o nosso caminhar. A lente de uma filmadora tem e pode dar muitas respostas que os olhos humanos, os sentidos humanos, atualmente degenerados, não têm mais condições de captar. Um Buddha, sim, tem tamanha concentração e atenção plena que supera o olho da câmera. Mas ainda não somos Buddhas; longe estamos de nos tornamos Buddhas. Bem verdade que anelamos nos tornarmos pequenos Buddhas, pequenos iniciados, e mais adiante, quem sabe, despertar o Buddha íntimo…
Mas, retomando o assunto, vamos utilizar o exemplo da filmadora… Estamos caminhando… Se seguimos o caminhar numa marcha normal é claro que haverá um momento em que levantamos o pé, movemos o pé para frente e, em seguida, este pé encostaria novamente no chão; o mesmo para o pé esquerdo, e assim, mudando o passo num certo ritmo… Mas nossa atenção hoje não consegue captar plenamente, como dissemos há pouco, tudo que acontece neste caminhar.
Mesmos andando em passos lentos ainda assim não lograríamos captar todos os fenômenos, todos os processos que envolvem um simples passo. Uma filmadora normal a cada segundo capta 25, 28 ou 36 quadros; se alguém der um close num passo, a cada segundo vamos ver que esse passo, o movimento do pé e da perna, num segundo, gravou 25, 28 ou 36 quadros desse passo. Se olharmos cada um desses quadros individualmente quase não perceberemos o deslocamento do pé. Imaginemos agora que tivéssemos uma filmadora especial e pudéssemos então captar mil quadros por segundo deste mesmo ato de caminhar… Sem dúvida que menos ainda perceberíamos diferenças em cada um dos mil quadros desse passo, não é mesmo?!
Depois de filmar esse passo, se olharmos os quadros separadamente, vamos nos dar conta de que dentro do que pensávamos ser um movimento de levantar e mover o pé, houve, na verdade, 36, 25 ou 1.000 movimentos, e a imagem, em cada quadro desses, é ligeiramente distinta da imagem dos demais quadros, embora a diferença seja tão sutil e pequena que mal pode ser notada.
Nosso esforço, na meditação andando, é de ver os nossos movimentos com a mesma precisão com a qual a câmera os vê: quadro a quadro. Também devemos observar a consciência e a intenção que precede cada um desses movimentos… Também nisso aí podemos apreciar o poder da sabedoria ou da iluminação do Buddha… Não agora, mas no dia que tivermos sentidos treinados para captar isso.
Como dissemos há pouco, somente o Buddha, a plena consciência do Buddha, consegue captar todos esses movimentos. Aqui, quando usamos a palavra “ver” ou “observar”, queremos dizer que vemos diretamente, e também por inferência, porque não podemos ver todos os movimentos; podemos saber que estamos movendo o pé, mas não temos a consciência disso, por mais concentração que tivéssemos, de como está este movimento em cada um desses quadros aqui do nosso exemplo.
Não sei se consegui passar o ponto essencial disso tudo, porque, quando temos plena atenção, não nos escapa nada, absolutamente. O melhor a fazer, não digo agora esta noite, porque não vai dar tempo, mas amanhã cedo, quando vocês se levantarem, coloquem como exercício do dia, a meditação andando. Desde o momento em que abrirem os olhos comecem a praticar a meditação andando. Então, logo começarão a perceber a natureza da impermanência de tudo e de todas as coisas, através do próprio esforço… Ao perceberem como cada movimento, por ser movimento, é impermanente… A vida no universo é a mesma coisa: é impermanente, é um fluxo contínuo.
O que são as impressões que nos movem senão uma correia de impermanências que acreditamos ser real? Até acreditamos ser estática, algo que ali sempre esteve, e que nunca mudou… Mas, não é assim!
Sempre dizemos que nossa vida é aborrecida, uma rotina… Não é que a vida seja uma rotina e que nada acontece; muito pelo contrário; acontecem milhões de fenômenos a cada segundo e nós somos absolutamente inconscientes deles porque sequer aprendemos a dividir a atenção em três partes: sujeito, objeto e lugar.
Quando passamos a dividir a atenção em tão só três partes já começaremos a perceber muito mais coisas; nos daremos conta de muitos fenômenos e acontecimentos que estão aí, todos os dias, mas que passam despercebidos, porque estamos desatentos – ou como se diz em Gnose – “adormecidos”.
Não temos a atenção concentrada; estamos distraídos ou com a atenção espalhada, sem concentração. Se nós, por exemplo, aplicarmos estes princípios ao que acontece no dia a dia podemos nos sair muito melhor em nossa prática de auto-observação do que geralmente fizemos até hoje ou acreditamos ser possível.
Quantas pessoas nos escrevem pedindo uma fórmula, um milagre, para superar sua própria luxúria… Ao verem uma pessoa do sexo oposto, o sentido visual transmite milhões de impressões [visuais] para a mente acerca daquela pessoa à sua frente. Essas impressões, em forma de imagens, aparecem e chegam à mente gerando pensamentos do tipo “que pessoa atraente!” Isso aciona o seu banco de memória, os mecanismos que já existem no subconsciente de dezenas de outras vidas, e por associações mecânicas, aquela imagem nos desperta o desejo, porque atrás do desejo existe a memória de uma sensação sentida ou experimentada anteriormente [nesta ou em vidas anteriores]. A memória da sensação é decupada em prazer, mas tudo isso acontece em segundos, frações minúsculas de tempo.
Mas, se uma pessoa está atenta, instantaneamente, ao ver uma pessoa do sexo oposto, saberá que, diante de si, tem uma “imagem”, e não algo real e concreto; apenas uma imagem, que se associa com suas memórias, e que coloca em ação uma película inteira, todo um filme do passado, associado, projetado, nessa imagem do subconsciente, dos níveis internos da mente.
Se a pessoa estiver realmente atenta, saberá o que ocorre; no momento em que vê, sabe, da mesma forma como alguém sabe que está de pé porque percebe que esta de pé. Se alguém recebe uma imagem, sabe que aquilo é uma imagem, e que aquela imagem, naquele exato momento, tem aquela forma e aparência; ele também sabe que isto muda, que com o tempo decairá, não será mais atraente; que com o tempo, doenças e enfermidades descarnarão aquela imagem que neste momento é atraente ou gostosa, aos nossos olhos.
A isso, em Gnose, chamamos de “transformar impressões”. Mas nada mais é do que simplesmente ver a coisa em si, e não ver uma projeção nossa em cima de um determinado objeto. Por isso que a prática da divisão da atenção, ou da atenção plena, é de extrema importância; por isso, porque fará com que nós não projetemos; fará com que possamos ampliar a capacidade de filtragem, de percepção e análise de tudo aquilo que nos chega à mente, segundo a segundo, momento a momento.
Em buddhismo, isso se chama impermanência sem fim … Os monges buddhistas, que meditam e compreenderam esse processo todo, simplesmente sabem que não existe realmente nada a desejar, a cobiçar, a se apegar dentro do mundo dos fenômenos – é simples assim!
Podemos, com isso, talvez, compreender melhor as razões para a prática da meditação andando, porque a vida em si é dinâmica. A atenção plena nos permite captar tudo isso, antecipar tudo, por assim dizer. É saber diretamente da impermanência de qualquer fenômeno, acontecimento, imagem.
Os buddhistas ensinam isso e nós também, dentro da Gnose, devemos praticar meditação, porque queremos remover de nós mesmos o apego e a cobiça pelos objetos. A imagem de uma pessoa de sexo oposto, de uma pessoa atraente aos nossos sentidos, o que é? É um apego, uma cobiça, um desejo.
Se praticarmos corretamente a meditação, sem dúvida alguma poderemos remover, e removeremos o apego, a cobiça e o desejo por esses objetos. A partir que se entenda isso, qualquer objeto que se apresentar à nossa frente pode ser removido, porque não mais veremos com os sentidos do apego, do desejo ou da cobiça, mas, simplesmente, veremos a realidade em si – e a realidade em si está além das impressões que nossos cinco sentidos captam.
Se acrescentarmos a impermanência que permeia tudo na vida, os sofrimentos que o apego nos gera, e de que aí está presente algo impessoal, algo de não-eu, algo que não nos pertence, mas que simplesmente é, então, se torna mais fácil removermos de nossa mente o apego, a cobiça e o desejo.
O objetivo de remover a cobiça, o desejo e o apego é anelar, renunciar ou simplesmente querer deixar de sofrer, porque são os apegos que geram sofrimento, que nos trazem à corrente da vida, à corrente existencial. Enquanto existir cobiça e apego, sempre haverá sofrimento – e se não quisermos mais sofrer, precisamos então remover a cobiça, o apego, o desejo.
Podemos acrescentar a isso ainda alguns outros elementos, que já mencionamos aqui isoladamente, mas que sempre é bom inserirmos no contexto presente, para que não nos esqueçamos. Se tivermos sempre presente conosco que todas as coisas são apenas mente ou forma mental na matéria que surge e desaparece porque é impermanente, que essas coisas não possuem substâncias, mas que são apenas imagens, miragens, então fica mais fácil esse trabalho de desapegar-se, de renunciar, de morrer em si mesmo.
Entendemos que uma vez que isso esteja compreendido, seremos capazes de remover essas “garras”, que denominamos de “apego às coisas”. Somos apegados às pessoas, a grupos, a objetos que a vida nos empresta, à doutrinas e a outras coisas mais. Viver o fio da navalha é viver desapegado, sem viver isolado ou sem abandonar as coisas. É simplesmente viver sem apegos…
Há um fio de navalha que precisa ser encontrado na vida, meus amigos! Isso me parece fundamental, porque enquanto não compreendermos esses elementos básicos, que estão atrás da divisão da atenção ou da atenção plena, não importa quantos livros tenhamos lido; podemos ter lido 1.000, 2.000 livros; não importa quantas palestras vamos ouvir ou quanto falemos a respeito de renunciar as coisas ou desapegarmos-nos; seremos teremos ataduras que precisam ser cortadas com o fio da navalha da plena atenção…
A verdade é que não seremos capazes de remover de nós mesmos o apego. É necessário ter experiência direta de que todas as coisas condicionadas possuem as marcas dessas três características que acabamos de mencionar. Então, dentro do princípio da meditação andando, precisamos prestar bastante atenção quando estamos caminhando, da mesma forma que devemos estar plenamente atentos quando estivermos sentados e também deitados. Estas são as características fundamentais desta meditação dinâmica, dessa meditação andando.
Em resumo, podemos colocar que todo esse trabalho, todo esse exercício, resume-se na frase: “seja ou esteja atento”; ou seja: vigie sua mente, vigie seus sentidos, não esqueça de si mesmo, nem de onde está, nem o que está fazendo. Essa concentração, essa plena atenção, é que, com o tempo, nos levará à iluminação ou ao conhecimento das coisas como realmente são, e assim nos liberarmos da ilusão e da imagem que essas mesmas coisas nos apresentam.
Ficamos aqui para não alargarmos muito; na próxima reunião voltaremos a este tema, porém focando outros aspectos fundamentais. Ficamos agora à disposição para os questionamentos que quiserem apresentar.
Perguntas
P: Esta auto-observação feita corretamente é o que faz as pessoas se tornarem lúcidas nos sonhos?
R: Sim, meu amigo, com esta observação aprofundada, da maneira que tratamos aqui de descrever ou desenhar para vocês; é claro que só a vivência dará o concreto para cada um. É esta classe de auto-observação que nos leva aos sonhos lúcidos, a ampliar a consciência durante o sonho. Não esqueçamos aquilo que o Mestre Samael nos ensinou: hoje sonhamos, num primeiro momento nada lembramos, num segundo momento os sonhos começam a vir à memória, num terceiro momento a gente sonha que está despertando e num quarto momento a gente deixa de sonhar – assim dizia, resumidamente, o Mestre Samael sobre o processo do despertar da consciência. Hoje alguns nem lembram de nada; caem na cama como pedra e no dia seguinte a pedra rola e cai da cama e segue vivendo a consciência de vigília; mas a partir de amanhã não esqueçam: meditação andando desde a hora que abrir os olhos na cama; tentem viver, vivenciar isso e vocês entenderão melhor na próxima terça-feira quando darmos continuidade a esse tema.
P: O objetivo dessa prática é desenvolver a meditação andando?
R: Sem dúvida nenhuma: o objetivo da aula de hoje foi o de passar a vocês uma ferramenta, uma técnica dinâmica que possam levar no dia a dia enquanto estão andando, no ônibus, dirigindo, pensando, meditando, fazendo mantras, conversando com os amigos ou colegas de trabalho; onde quer que estejam, mesmo sentados no vaso sanitário poderão manter a atenção plena sobre sua fisiologia e seus próprios movimentos de higiene pessoal; afinal para isso é a atenção plena – ou nessas horas e momentos não vamos ter atenção plena??? Essa técnica levará, com o tempo, a ampliação da consciência, e pode mesmo levar ao despertar da consciência, especialmente se ela for complementada por práticas que já demos em outras oportunidades, como orações e mantras. Essa meditação dinâmica, que estamos abordando hoje aqui, da atenção plena, em verdade é uma ferramenta que vai auxiliar muito o trabalho, a prática do karma yoga, e logo aprenderão a usar as duas coisas ao mesmo tempo, porque uma apóia e ajuda a outra.
P: Andar mantralizando seria uma meditação?
R: O centro motor desloca corpo e também permite com alguma habilidade deslocar o corpo e mantralizar ao mesmo tempo… A pergunta mais importante é: enquanto você está fazendo o mantra e está deslocando o seu corpo pelo movimento de andar a sua atenção está aonde nessa hora, meu amigo? Se estiver longe daí, você não está meditando não; você está dormindo; é um robô que mantraliza porque tem um software dentro que faz isso e caminha também, porque foi construído para caminhar. Mantralizar e andar, se a atenção estiver plenamente voltada para aquilo que está sendo feito, enquanto está ocorrendo aí, se pode dizer que é uma meditação; mas se a atenção foi viajar, passear para outro lugar, ali temos um robô fazendo isso, nada mais; é um cadáver que está andando pelas ruas e mantralizando.
P: É possível um músico exercer a atenção plena enquanto focaliza a sua mente em sua melodia?
R: Aí temos que entender uma coisa, meu amigo: cada centro da máquina humana precisa realizar o trabalho pelo qual ele existe. Se a mente quiser acompanhar os movimentos de olhos de ler uma partitura e das mãos de executar essa mesma partitura, se a mente quiser assumir esse trabalho, ele vai errar, por que a mente está querendo se apossar de um trabalho do centro motor, que não lhe pertence. Quando falamos em atenção plena aqui há que se considerar que cada centro da máquina humana deve estar exercitando, praticando, realizando o trabalho ou a tarefa que lhe corresponde; se não for assim não há atenção plena.
P: Meditar andando significa andar de acordo com o ritmo da respiração?
R: Nas próximas semanas, quando aprofundarmos esse tema, vocês perceberão que ao meditar andando, colocamos o andar como objeto da meditação. O buddhismo gnóstico ensina também a respiração como objeto da meditação e outros mais. Só com o tempo, à medida que dominarmos cada prática dessas, é que poderemos ir integrando mais elementos, pois alguém que não consegue meditar andando, e ainda quiser colocar atenção na respiração, estará assumindo para si dois objetos de trabalho; é muito cedo para fazer isso, sem menosprezar ninguém. Dominemos primeiro um processo e depois partimos para outro, mas, sem dúvida nenhuma, a respiração é uma das formas de manter a consciência desperta, ativa.
P: O que se deve fazer quando se está fazendo uma prática como a mantralização, por exemplo, e a mente se dispersa constantemente; só se consegue ficar com a atenção plena por alguns instantes? A maior parte do tempo a mente dispersa causando frustração!?
R: Este comentário seu me faz lembrar, justamente, nesse mesmo sutta, de uma outra passagem em que o instrutor compara esses lapsos de inconsciência como alguém tentando ferver a água de uma chaleira ligando e desligando o queimador do fogão a gás; considere que toda vez que você está atento, o fogo esta aceso aquecendo a água, e toda vez que você está desatento, o fogo está apagado. Quando é que você acha que a água vai ferver, meu amigo? Interessante esse exemplo dado por este instrutor buddhista. É a mesma coisa! Compreenda isso que estamos dizendo, e toda vez que você se distrair, não se condene, nem se critique, nem se sinta culpado. Aqui não existe a culpa; o que temos aqui é um aprendizado. Como alguém me comentou, recentemente: “Bendita seja até nossa ignorância porque isso nos dá a oportunidade de aprender algo novo”. Aqui está um desafio novo, quem sabe para todos nós; não vamos nos culpar no sentido frustrado. Vamos bendizer a oportunidade de não saber isso porque teremos algo novo para praticar, exercitar; só nos cabe praticar. Uma hora você vai conseguir ligar o fogão, acender o queimador e depois de algum tempo, a água vai ferver. Veja desse aspecto, desse ponto de vista, e assim terás um bom motivo para manter sempre em dia a sua prática. O objetivo maior, hoje, era exatamente esse: passar e reafirmar a questão de que é possível praticarmos a Gnose enquanto estamos andando por aí. Já tínhamos falado do karma yoga, que é a conduta reta; agora aplique a atenção plena junto com a conduta reta e a conduta reta será aperfeiçoada ainda mais; comece a praticar e logo se dará conta disso.
P: Quando você esta meditando, por exemplo, deitado, e no tempo que o sono vem acontece uma espécie de zunido na cabeça! Que passa?
R: Não se preocupe com isso! Os astecas levavam um grilo, esse inseto, o grilo, que justamente faz um zunido muito forte e intenso, para junto de sua cama. E sabe por que eles levavam o grilo para perto da sua cama ou da rede ou local em que deitavam? Para, por ressonância, fazer ressoar a glândula pineal. Este zunido corresponde ao mantra SSSS; ele coloca em atividade a glândula pineal que comanda todas as demais glândulas. E aquelas culturas, dos Maias e Astecas, davam extrema importância ao desenvolvimento da pineal porque, assim, eles ativavam as capacidades psíquicas de sair em astral, em jinas, de clarividência, clariaudiência e muitas outras capacidades naturais da inteligência. Então, esse zunido, com a concentração, pode inclusive aumentar e ter as experiências decorrentes disso.
P: Eu sinto dor nas mãos quando faço práticas de concentração ao deitar… Mas a dor desse zunido é muito intensa…!
R: (Pelo visto, agora vamos abrir aqui um consultório médico…) Você é feliz porque só dói as mãos; tem outros que doem o corpo inteiro e eles não conseguem achar uma posição para dormir. Bem-vindo à realidade do mundo psíquico, meu amigo. Com o tempo você vai ver que as dores são abençoadas; vai se preparando para isso; esses incômodos que você chama de “dor”, esses desconfortos, têm muitas razões de ser. Existem bloqueios nos canais energéticos e a intensificação da atividade dos éteres do corpo vital, vai provocando esses desconfortos. Eu sugiro a você e a todos que sentem dor assim, que façam as práticas com os elementais. Se você acha a dor muito intensa, e algo está errado, sugiro consultar um especialista em ouvidos, e aí ele vai dizer o que é, porque, de repente, você pode ter um problema físico, aí você deve tratar clinicamente com um especialista. Mas se ele disser que você não tem nada, aumente a dor mediante a sua vontade e veja o que está além…
P: Nas meditações devemos passar por cima da dor?
R: Devemos passar por cima da dor e de tudo o mais… Dentro da literatura esotérica oriental, todos os monges, iluminados, sábios, passaram por cima da dor… Imagine o Cristo! Não teve ele que passar por cima da dor na cruz?! O senhor Buddha, que se impôs terríveis sofrimentos, não teve que superar e ultrapassar a dor? Nós aqui, meus amigos, dessa cultura urbana, ocidental, somos demasiadamente débeis; temos que superar esses desconfortos; nem chamo isso de dor; chamo isso de desconforto…
Autor: Karl Bunn
Para um maior aprofundamento, recomendamos: Atenção Plena & Auto-Observação II
O texto acima é cópia integral, (modificada a pontuação e feitas algumas alterações para dar o formato de texto), de uma conferência ditada por Karl Bunn, presidente da Igreja Gnóstica do Brasil – www.gnose.org.br – realizada ao vivo dia 10.07.2007, por intermédio do programa Paltalk, via Internet. Equipe: Transcrição de texto: Mariana Cunha. Revisado pelo próprio autor.
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